Ross Gay (1974 – )
Enterro
Tens razão, tens razão,
o fertilizante é bom —
não uma cambada de idiotas
com ideias de enterrar
um peixe na cova do plantio
ou uma parteira qualquer que teve sorte
com a placenta —
Oh, é isso! Vou plantar uma árvore aqui! —
um rio de marmelada
e compota que dure meses — sim,
a poeira mágica em que os nossos corpos se transformam
lança feitiços sobre as raízes,
algo que qualquer outra pessoa
te poderia tentar explicar falando de processos químicos,
mas que é para mim pura magia,
e é por isso que há umas Primaveras,
antes de enterrar as minhas duas raízes de ameixoeira
lá fora, levei comigo o vaso que se tinha tornado
na casa do meu pai,
que estava tão só, e na esperança de o convencer a voltar
para junto da minha mãe e de mim,
lancei em buracos do plantio um pouco do que havia no vaso,
e o meu pai mergulhou feliz pelo ar robusto,
marcando levemente com uma lufada
o meu nariz e a minha boca,
rindo-se enquanto eu tossia,
mas acabando por desaparecer
nos pequenos sopros da terra
em que coloquei as árvores,
que alongando as suas raízes
espalharam as cinzas do meu velhote
uniformemente pelos buracos da terra,
substituindo os torrões
de terra densa até às raízes deste solo do Indiana,
e assim foi enterrado o meu pai,
enquanto eu regava com uma mão
e com a outra segurava a árvore
firme, como se fosse a bandeira
de uma nação de pura alegria
da qual o meu pai é agora um cidadão
abanando a bandeira
da sua toca subterrânea,
as raízes envolvendo-o
como xailes ou como cabos de trepar num parque de crianças ou
mangueiras de cachimbos de água ou braços de ancestrais
antes de cortarem o lenho,
subindo no elevador
pela seiva até às folhas onde,
se encostares o ouvido o suficiente,
podes ouvi-lo sussurrar
bom dia, onde, se fechares os olhos
e aproximares a tua cara, podes sentir
o seu papo com a barba por fazer e, meu deus!,
este ano fez brotar vertiginosamente
os seus primeiros frutos, aninhando-se entre trinta ou quarenta ameixas
das duas árvores, emergindo da carne doce das ameixas
com as suas mãos e pressionando-as contra a sua pele roxa
como um vitral de catedral,
imaginem a felicidade dele quando o sol
como um feitiço faz correr aqueles açúcares abundantes,
e de pés descalços caminhei vagarosamente,
e desejoso de ver a primeira ameixa madura, volumosa e corada,
quase proferi comovido
um qualquer verso soturno
que correspondesse a esta graça tão inexplicável,
coisas do género «pai, oh, pai»
o fertilizante é bom —
não uma cambada de idiotas
com ideias de enterrar
um peixe na cova do plantio
ou uma parteira qualquer que teve sorte
com a placenta —
Oh, é isso! Vou plantar uma árvore aqui! —
um rio de marmelada
e compota que dure meses — sim,
a poeira mágica em que os nossos corpos se transformam
lança feitiços sobre as raízes,
algo que qualquer outra pessoa
te poderia tentar explicar falando de processos químicos,
mas que é para mim pura magia,
e é por isso que há umas Primaveras,
antes de enterrar as minhas duas raízes de ameixoeira
lá fora, levei comigo o vaso que se tinha tornado
na casa do meu pai,
que estava tão só, e na esperança de o convencer a voltar
para junto da minha mãe e de mim,
lancei em buracos do plantio um pouco do que havia no vaso,
e o meu pai mergulhou feliz pelo ar robusto,
marcando levemente com uma lufada
o meu nariz e a minha boca,
rindo-se enquanto eu tossia,
mas acabando por desaparecer
nos pequenos sopros da terra
em que coloquei as árvores,
que alongando as suas raízes
espalharam as cinzas do meu velhote
uniformemente pelos buracos da terra,
substituindo os torrões
de terra densa até às raízes deste solo do Indiana,
e assim foi enterrado o meu pai,
enquanto eu regava com uma mão
e com a outra segurava a árvore
firme, como se fosse a bandeira
de uma nação de pura alegria
da qual o meu pai é agora um cidadão
abanando a bandeira
da sua toca subterrânea,
as raízes envolvendo-o
como xailes ou como cabos de trepar num parque de crianças ou
mangueiras de cachimbos de água ou braços de ancestrais
antes de cortarem o lenho,
subindo no elevador
pela seiva até às folhas onde,
se encostares o ouvido o suficiente,
podes ouvi-lo sussurrar
bom dia, onde, se fechares os olhos
e aproximares a tua cara, podes sentir
o seu papo com a barba por fazer e, meu deus!,
este ano fez brotar vertiginosamente
os seus primeiros frutos, aninhando-se entre trinta ou quarenta ameixas
das duas árvores, emergindo da carne doce das ameixas
com as suas mãos e pressionando-as contra a sua pele roxa
como um vitral de catedral,
imaginem a felicidade dele quando o sol
como um feitiço faz correr aqueles açúcares abundantes,
e de pés descalços caminhei vagarosamente,
e desejoso de ver a primeira ameixa madura, volumosa e corada,
quase proferi comovido
um qualquer verso soturno
que correspondesse a esta graça tão inexplicável,
coisas do género «pai, oh, pai»
centenas de balões de ar quente
cobrindo o céu do meu peito, substituindo o corpo entubado
do meu pai, que como a quilha de um barco se direccionava para a margem, esquecendo
a corrente de água constante que vertia dos seus olhos
que o seu irmão enxugou antes de remover o tubo,
deixando a mão pousada na sua cabeça
até o último sopro do seu corpo se esvaecer,
enquanto o meu irmão soluçava como um animal,
e a minha mãe dizia, a chorar,
«está tudo bem, amor, podes partir agora»,
e sobre tudo isto o meu pai
sorriu, lançando à primeira dentada
baldes de sumo pela minha bochecha abaixo,
manchando uma das minhas duas camisas,
a de seda cor-de-salmão, gritando
«olha que há mais disto!»,
quase dançando na ameixa,
na árvore, tal qual como fazia quando estava vivo,
curvando-se e mordendo o lábio
e sacudindo a anca para um lado
e depois para o outro com os cotovelos armados,
e agitando as mãos de pulsos soltos,
de olhos fechados, e imitando com a boca o som de um trompete
quando sabia que deste modo te conseguia deixar feliz,
sendo um bocadinho tolo
e querido.
cobrindo o céu do meu peito, substituindo o corpo entubado
do meu pai, que como a quilha de um barco se direccionava para a margem, esquecendo
a corrente de água constante que vertia dos seus olhos
que o seu irmão enxugou antes de remover o tubo,
deixando a mão pousada na sua cabeça
até o último sopro do seu corpo se esvaecer,
enquanto o meu irmão soluçava como um animal,
e a minha mãe dizia, a chorar,
«está tudo bem, amor, podes partir agora»,
e sobre tudo isto o meu pai
sorriu, lançando à primeira dentada
baldes de sumo pela minha bochecha abaixo,
manchando uma das minhas duas camisas,
a de seda cor-de-salmão, gritando
«olha que há mais disto!»,
quase dançando na ameixa,
na árvore, tal qual como fazia quando estava vivo,
curvando-se e mordendo o lábio
e sacudindo a anca para um lado
e depois para o outro com os cotovelos armados,
e agitando as mãos de pulsos soltos,
de olhos fechados, e imitando com a boca o som de um trompete
quando sabia que deste modo te conseguia deixar feliz,
sendo um bocadinho tolo
e querido.
Burial
You’re right, you’re right,
the fertilizer’s good—
it wasn’t a gang of dullards
came up with chucking
a fish in the planting hole
or some mid-wife got lucky
with the placenta—
oh, I’ll plant a tree here!—
and a sudden flush of quince
and jam enough for months—yes,
the magic dust our bodies become
casts spells on the roots
about which a dumber man than me
could tell you the chemical processes,
but it’s just magic to me,
which is why a couple springs ago
when first putting in my two bare root plum trees
out back I took the jar which has become
my father’s house,
and lonely for him and hoping to coax him back
for my mother as much as me,
poured some of him in the planting holes
and he dove in glad for the robust air,
saddling a slight gust
into my nose and mouth,
chuckling as I coughed,
but mostly he disappeared
into the minor yawns in the earth
into which I placed the trees,
splaying wide their roots,
casting the grey dust of my old man
evenly throughout the hole,
replacing then the clods
of dense Indiana soil until the roots
and my father were buried,
watering it in all with one hand
while holding the tree
with the other straight as the flag
to the nation of simple joy
of which my father is now a naturalized citizen,
waving the flag
from his subterranean lair,
the roots curled around him
like shawls or jungle gyms, like
hookahs or the arms of ancestors,
before breast-stroking into the xylem,
riding the elevator up
through the cambium and into the leaves where,
when you put your ear close enough,
you can hear him whisper
good morning, where, if you close your eyes
and push your face you can feel
his stubbly jowls and good lord
this year he was giddy at the first
real fruit set and nestled into the 30 or 40 plums
in the two trees, peering out from the sweet meat
with his hands pressed against the purple skin
like cathedral glass,
and imagine his joy as the sun
wizarded forth those abundant sugars
and I plodded barefoot
and prayerful at the first ripe plum’s swell and blush,
almost weepy conjuring
some surely ponderous verse
to convey this bottomless grace,
you know, oh father oh father kind of stuff,
hundreds of hot air balloons
filling the sky in my chest, replacing his intubated body
listing like a boat keel side up, replacing
the steady stream of water from the one eye
which his brother wiped before removing the tube,
keeping his hand on the forehead
until the last wind in his body wandered off,
while my brother wailed like an animal,
and my mother said, weeping,
it’s ok, it’s ok, you can go honey,
at all of which my father
guffawed by kicking from the first bite
buckets of juice down my chin,
staining one of my two button-down shirts,
the salmon colored silk one, hollering
there’s more of that!almost dancing now in the plum,
in the tree, the way he did as a person,
bent over and biting his lip
and chucking the one hip out
then the other with his elbows cocked
and fists loosely made
and eyes closed and mouth made trumpet
when he knew he could make you happy
just by being a little silly
and sweet.
the fertilizer’s good—
it wasn’t a gang of dullards
came up with chucking
a fish in the planting hole
or some mid-wife got lucky
with the placenta—
oh, I’ll plant a tree here!—
and a sudden flush of quince
and jam enough for months—yes,
the magic dust our bodies become
casts spells on the roots
about which a dumber man than me
could tell you the chemical processes,
but it’s just magic to me,
which is why a couple springs ago
when first putting in my two bare root plum trees
out back I took the jar which has become
my father’s house,
and lonely for him and hoping to coax him back
for my mother as much as me,
poured some of him in the planting holes
and he dove in glad for the robust air,
saddling a slight gust
into my nose and mouth,
chuckling as I coughed,
but mostly he disappeared
into the minor yawns in the earth
into which I placed the trees,
splaying wide their roots,
casting the grey dust of my old man
evenly throughout the hole,
replacing then the clods
of dense Indiana soil until the roots
and my father were buried,
watering it in all with one hand
while holding the tree
with the other straight as the flag
to the nation of simple joy
of which my father is now a naturalized citizen,
waving the flag
from his subterranean lair,
the roots curled around him
like shawls or jungle gyms, like
hookahs or the arms of ancestors,
before breast-stroking into the xylem,
riding the elevator up
through the cambium and into the leaves where,
when you put your ear close enough,
you can hear him whisper
good morning, where, if you close your eyes
and push your face you can feel
his stubbly jowls and good lord
this year he was giddy at the first
real fruit set and nestled into the 30 or 40 plums
in the two trees, peering out from the sweet meat
with his hands pressed against the purple skin
like cathedral glass,
and imagine his joy as the sun
wizarded forth those abundant sugars
and I plodded barefoot
and prayerful at the first ripe plum’s swell and blush,
almost weepy conjuring
some surely ponderous verse
to convey this bottomless grace,
you know, oh father oh father kind of stuff,
hundreds of hot air balloons
filling the sky in my chest, replacing his intubated body
listing like a boat keel side up, replacing
the steady stream of water from the one eye
which his brother wiped before removing the tube,
keeping his hand on the forehead
until the last wind in his body wandered off,
while my brother wailed like an animal,
and my mother said, weeping,
it’s ok, it’s ok, you can go honey,
at all of which my father
guffawed by kicking from the first bite
buckets of juice down my chin,
staining one of my two button-down shirts,
the salmon colored silk one, hollering
there’s more of that!almost dancing now in the plum,
in the tree, the way he did as a person,
bent over and biting his lip
and chucking the one hip out
then the other with his elbows cocked
and fists loosely made
and eyes closed and mouth made trumpet
when he knew he could make you happy
just by being a little silly
and sweet.
Sem comentários:
Enviar um comentário